O que o Biomédico precisa saber sobre Desvio à Esquerda
Na medicina laboratorial, quando usamos o termo "desvio à esquerda" estamos nos referindo à presença de células sanguíneas imaturas presentes numa amostra de sangue periférico.
No Brasil, culturalmente, usamos esse termo especificamente para a linhagem dos neutrófilos.
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Em outros países, o desvio à esquerda pode referir-se também a outras linhagens sanguíneas, como a dos eritrócitos.
Por exemplo: em pacientes com anemia, pode-se usar o termo para descrever o aumento da quantidade de reticulócitos e o aparecimento de eritroblastos no sangue periférico.
Porém, o seu uso mais comum é também relacionado aos neutrófilos.
Origem do termo
A proposta mais aceita é a de que o termo "desvio à esquerda" se originou na década de 50, quando a contagem diferencial dos leucócitos ainda era feita de forma manual.
Para auxiliar na contagem dos 100 leucócitos, tabelas padronizadas eram usadas. Cada coluna representava um tipo celular.
Com a chegada dos contadores mecânicos, a contagem passou a ser feita pressionando-se os botões correspondentes aos tipos celulares encontrados na lâmina.
Em ambos os sistemas de contagem, de colunas e de botões, os neutrófilos mais imaturos eram as primeiras células e, de acordo com a escala maturativa, as mais maduras vinham na sequência, da esquerda para a direita (imagem).
Então, começou-se a denominar o aparecimento de granulócitos imaturos no sangue periférico como desvio à esquerda.
Definição de Desvio à Esquerda
Mesmo depois de tanto tempo e de ser um termo muito utilizado nas práticas clínica e laboratorial, a definição de desvio à esquerda ainda não tem um consenso.
Existem duas definições que prevalecem na hematologia.
Em uma, autores consideram desvio à esquerda como o aumento do número, absoluto ou percentual (> 10%), de neutrófilos bastões no sangue periférico.
Na outra, autores definem o desvio à esquerda como sendo a presença e/ou aumento na quantidade de neutrófilos (granulócitos) imaturos no sangue periférico: promielócitos, mielócitos, metamielócitos e bastões.
Visto que a própria caracterização morfológica dos neutrófilos bastões não é unânime entre os profissionais de laboratório, e que muitos os consideram já como neutrófilos maduros, eu sou mais adepto da segunda definição.
Significado clínico do Desvio à Esquerda
A causa mais comum do aparecimento do desvio à esquerda, associados à neutrofilia, são os casos de infecções, principalmente as bacterianas.
Porém, ainda faltam correlações entre a presença do desvio à esquerda e a gravidade da infecção.
Nessas infecções, os neutrófilos dos pools marginal e circulante migram para o sítio da infecção.
Uma diminuição dos neutrófilos no sangue periférico estimula a medula óssea a liberar neutrófilos imaturos, após os maduros que estavam armazenados serem depletados.
A diminuição dos neutrófilos imaturos e maduros armazenados no pool da medula óssea pode também estimular a produção mais neutrófilos.
Um desvio à esquerda mais avançado indica um consumo maior de neutrófilos no sítio da infecção e, consequentemente, maior produção de novos neutrófilos.
Além de causas reacionais, o desvio à esquerda pode ser encontrado em muitas doenças hematológicas, como leucemias mieloides, policitemia vera, trombocitemia essencial, mielofibrose primária, etc.
Devo relatar no laudo?
Relatar ou não o termo "desvio à esquerda" nas observações do laudo fica a critério do laboratório.
Eu não vejo importância clínica em fazer esse relato.
O que realmente deve sempre constar no laudo, na contagem diferencial dos leucócitos, são os tipos de granulócitos imaturos observados na microscopia e a quantidade de cada um.
Com essas informações, o médico poderá fazer a melhor interpretação de acordo com outros dados clínicos e laboratoriais do paciente.
Referências
Medicine Out of The Box - The Meaning of a Shift to the Left (link)
Pathology Student - Left shift (link)
Honda, Takayuki et al. “Neutrophil left shift and white blood cell count as markers of bacterial infection.” Clinica chimica acta; international journal of clinical chemistry vol. 457 (2016): 46-53.
Renato Failace. Hemograma - Manual de Interpretação, 6ª edição, 2015.
MacQueen, B C et al. “Comparing automated vs manual leukocyte differential counts for quantifying the 'left shift' in the blood of neonates.” Journal of perinatology : official journal of the California Perinatal Association vol. 36,10 (2016)