Tudo o que um biomédico precisa saber sobre a Proteína C
A Proteína C ativada (PCA) tem um papel importante na regulação da anticoagulação, inflamação e morte celular.
Ela atua como um anticoagulante "sob demanda", reduzindo a formação de trombina.
Neste post, você irá conhecer detalhadamente essa proteína importante na hemostasia.
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Nomenclatura
A proteína C (PC), originalmente chamada de autoprotrombina IIa, foi descoberta em 1960 e isolada pela primeira vez em 1976.
Recebeu esse nome por ser o terceiro pico de proteína ("pico C") observado num experimento cromatográfico para purificação de proteínas plasmáticas dependentes de Vitamina K.
Proteína C: a precursora da PCA
Antes de ser ativada, a encontramos no plasma sanguíneo como PC, que é uma proenzima (também denominada zimogênio).
Um zimogênio é um precursor inativo de uma enzima que precisa sofrer alguma modificação bioquímica (como a hidrólise) para se tornar uma enzima ativa.
Ou seja, a PC é uma proenzima/zimogênio e a PCA é a enzima em sua forma ativa, pronta para fazer seu papel bioquímico.
A PC é uma glicoproteína dependente da Vitamina K, assim como os fatores VII, IX, X e protrombina.
Sua síntese ocorre no fígado, com concentração plasmática de 4 μg/mL e meia-vida de 6 a 8 horas.
Ela é um polipeptídeo composto por suas cadeias, uma leve e outra pesada, conectadas por uma ponte dissulfeto.
Dependência da Vitamina K
Para a PC se tornar uma glicoproteína madura precisa passar por um processo de γ-carboxilação.
Para essa reação são necessários oxigênio, dióxido de carbono e a forma reduzida da Vitamina K.
A Vitamina K reduzida atua como um cofator para a enzima γ-glutamil carboxilase, responsável pela carboxilação de resíduos de ácido glutâmico (Glu) presentes na PC.
Como resultado dessa reação, é formado o ácido γ-carboxiglutâmico (Gla), tornando a PC uma proteína biologicamente madura, pronta para ser ativada.
Ativação da Proteína C
A ativação da PC ocorre na superfície das células endoteliais e depende da ação proteolítica da trombina.
Para isso, ocorre a formação de um complexo composto por PC, trombomodulina, trombina e o receptor de PC nas células endoteliais (EPCR).
Após a clivagem, o peptídeo ativado é liberado dando origem à PCA.
Função da Proteína C ativada
A PCA é composta por uma cadeia leve contendo os domínios Gla e EGF ligada por uma ponte dissulfeto a uma cadeia pesada com atividade catalítica.
Ela é classificada como uma serina protease, que são enzimas que clivam ligações peptídicas em proteínas. Nessas enzimas, a serina serve como o aminoácido nucleofílico (doa um par de elétrons) no sítio ativo da enzima.
A PCA possui duas funções principais: anticoagulação e citoproteção.
O que determina qual a função ela exercerá depende se, após sua ativação, ela permanece ligada ao EPCR nas células endoteliais ou é liberada do receptor.
- Anticoagulação: PCA é liberada do receptor
- Citoproteção: PCA permanece ligada ao receptor
Função anticoagulante
Para exercer sua função anticoagulante precisa de cofatores, como a Proteína S, lipoproteínas de alta densidade e fosfolipídeos.
Quando junto a seus cofatores, a PCA proteoliticamente inativa os fatores Va (V ativado) e VIIIa (VIII ativado) de maneira dependente de cálcio e membrana.
Com a inativação desses dois fatores, a formação de trombina diminui, prevenindo a coagulação e potencialmente a trombose.
Função citoprotetora
A PCA também tem papel importante na prevenção de danos vasculares e estresse.
Isso inclui: atividade antiapoptótica, atividade anti-inflamatória, alterações de perfis de expressão gênica e estabilização da barreira endotelial.
Esses efeitos citoprotetores requerem o EPCR e o receptor ativado por protease do tipo 1 (PAR-1).
Quando ligada ao EPCR, a PCA pode ativar o PAR-1 e inibir a hipóxia, hipoglicemia ou apoptose em vários tipos de células endoteliais.
Além disso, ela também tem efeitos citoprotetores no cérebro, coração e rins.
Importância clínica
Crianças com deficiência hereditária de PC, em homozigose, têm complicações trombóticas que geralmente são letais.
Adultos heterozigotos para a deficiência de PC têm risco elevado para trombose venosa.
Existem dois tipos de deficiência de PC hereditária heterozigótica:
- Tipo I: diminuição da função e da quantidade
- Tipo II: diminuição da função com níveis normais da proteína
Outro problema está na resistência à PCA, que é uma ausência de resposta à Proteína C ativada.
O exemplo mais comum é a presença do Fator V Leiden, uma mutação com troca de aminoácidos do Fator V, chamada de R506Q.
A PCA não consegue reconhecer esse Fator V modificado e, consequentemente, não consegue inativá-lo.
O resultado é um estado de hipercoagulabilidade e risco aumentado de eventos trombóticos.
Aspectos laboratoriais
A amostra para a avalição da Proteína C é plasma citratado. É desejável que o paciente não esteja usando anticoagulante oral por pelo menos 2 semanas e heparina por 48 horas.
- Doenças hepáticas
- Terapia com anticoagulante oral
- Coagulação intravascular disseminada (CIVD)
- Deficiência de vitamina K
- Choque séptico e infecções bacterianas e virais graves
- Uso de drogas antineoplásicas
- Insuficiência renal crônica
- Pesquisa do fator V Leiden
- Pesquisa da mutação G20210A do gene da protrombina
- Dosagem de homocisteína
- Dosagem funcional de antitrombina
- Dosagem imunológica de proteína S livre
- Pesquisa de anticorpos antifosfolípides
Referências
Williams Hematology, 9ª edição.
Laboratório Hermes Pardini.
Laboratório Fleury.
Oto, Julia et al. “Activated protein C assays: A review.” Clinica chimica acta; international journal of clinical chemistry vol. 502 (2020): 227-232. doi:10.1016/j.cca.2019.11.005
Shahzad, Khurrum et al. “Cell biology of activated protein C.” Current opinion in hematology vol. 26,1 (2019): 41-50. doi:10.1097/MOH.0000000000000473
Griffin, J H et al. “Activated protein C.” Journal of thrombosis and haemostasis : JTH vol. 5 Suppl 1 (2007): 73-80. doi:10.1111/j.1538-7836.2007.02491.x